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sábado, 8 de outubro de 2011

Nunca tinha parado para pensar que festas de Natal poderiam, afinal, significar mais do que uma reunião em que a família se junta para beber e comer.

Estávamos todos nós, nossa imensa família, reunidos em uma sala pequena, do humilde aposento de minha tia. Estávamos todos bêbados e com nada no estômago; e enquanto a comida apenas deixava seu cheiro sedutor no ar, babávamos com a alma, morrendo de fome. Quietos.

Meu tio Raul estava especialmente mais quieto que os demais, encostado ao lado de uma prateleira empoeirada, onde ficavam as garrafas de vinho. Foi quando olhei pra ele, que me olhou também e retribuiu com um modesto sorriso, o suficiente pra entortar suas rugas na bochecha. Voltou a encarar o carpete, perplexo com não se sabe o quê. Começou então a balbuciar algumas coisas; ninguém ligava, estavam todos muito bêbados. E mesmo quando se fez completo silêncio, só eu tentei ouvir o que o homem dizia. Começou falando sobre bicicletas e corridas. Ninguém entendia nada. Porém, o entretenimento da minha noite era conseguir captar a essência de suas palavras.

"O importante mesmo é não parar. Apesar de tudo. Não importa se você prefere correr e logo descansar quando o Final chegar ou se você prefere ir devagar e devagar na espera por um lugar para se chegar, mesmo que esse não exista. Cada um com seu ritmo. O importante é não parar. E veja só todos nós aqui reunidos nessa belíssima comemoração, nos amando, correndo léguas de linhas de pensamentos, juntos. Sim, o importante é não parar..."

O Natal não rendeu e acabou chegando a terça-feira. Mas o que era realmente importante... era continuar. Porque tudo, absolutamente tudo, segue seu fluxo, sempre continuando, sem parar. Se os astros não param, girando em suas órbitas, por que deveríamos nós?

sábado, 17 de setembro de 2011

O Trapezista

Correu!

E quanto mais a nuvem vinha mais a nuvem escurecia a escura face do menino e 
correu, correu que seu lenço desamarrou e a nuvem engoliu e
correu, correu que suas pernas rotas e seu destino coxo não aguentou
e parou,
e a Bahia toda olhou

e correu
correu que o ar se abriu no meio
um pássaro zombou
por uma folha
passou

"Se jogou"
e nem anjos
nem ódio algum
nem ninguém
correu mais
que SemPernas
correu
pra cair
da montanha
onde
em seu leito

morreu.
eu não sei quando eu maldisse a vida
pra tanto destrato eu dela receber.
me aproximo, ela afasta,
depois resmunga baixinho
que não to feitinho pra ela

mas o que é que eu fiz pra ela,
não sei.
só sei que quando chego perto
ela fica meio assim
tímida, cheia de ternura,
nem me olha nos olhos.

e o que acontece é que se a vejo de longe,
lá está ela, 
a serviço de mãos alheias.
e, olha, mesmo quando, no grande momento, chegou ela pra mim,
não foi:
bastou poucas linhas tortas e me deixou.

ai, menina,
a poesia só teima em fugir de mim...
mas foi bem assim que encontrei nela

minha primeira namorada.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Eu sonho com esse mundo em que as coisas podem ser as coisas, propriamente falando, sem que seus motivos sejam questionados.
Sonho com um mundo que os pássaros voem, sem que haja alguém que se pergunte se são felizes por estarem mais perto do céu.
Sonho com um mundo que as flores não recebam mil adjetivos e que cheirem apenas como flores.
Sonho com um mundo que os namorados não entreguem a Lua como promessas de seus amores.
Sonho com um mundo que tudo fique mais simples, sem perder a beleza de ser o que é.
God, as a common thing, is what we're all looking for while we pray and ask forgiveness, and God is what we use as an explanation for what is Unkown.
but God, in my view, is what I feel when I close my eyes after a long, hard day of work. God is what touches me deep when I decide to make an important decision. And God is what, besides don't knowing it at the moment, stays close to me when I walk, and when I fall, He's the one to help me stand up. I feel blessed not because I want to be loved, nor I need to accumulate faith, but because love is all that surrounds my soul.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Era um menino miudo, mulato e sorridente que resolveu sentar ao meu lado no ônibus. Estava eufórico enquanto sua tutora ainda passava pela catraca. Ela, ao perceber que não haveria lugar perto do seu pequeno, sentou-se no assento à frente. Mas o menino não sossegava; ora virava de um lado, tentava deitar desengonçadamente, virava pro outro, cruzava as pernas. "Tia, posso sentar no seu colo?", eis que a tutora logo responde que não, que carregava sacolas demais e que um menino não caberia. "Mas, tia, eu quero ser o mais alto do ônibus! Me deixa sentar no seu colo, vai?" e ela, firme, negava seu pedido. Não me aguentei, pensei em todas minhas fantasias de criança, todas as lembranças dessa imaginação avidamente criativa de quando se é menor e ofereci meu colo ao mulatinho. Os olhos dele se encheram de brilho e virou-se para sua tutora com olhar de permissão. Obviamente ela não conssentiu. Olhei para o garoto, frustrado, e sorri.
Dois passageiros largaram seu lugar mais a frente do ônibus e o menino correu para guardá-los. A tutora foi logo atrás dele e sentaram-se. Bastou que ela largasse suas sacolas no chão e o menino fugaz partiu para seu colo e a abraçou. "Tô mais alto que todo mundo aqui!"
Me desliguei dos dois. Quando meus olhos pousaram de novo naquele lugar com o miudinho, pude ouvir "Tia, você não tem medo de ficar sozinha?", quando adulto, na realidade, tem medo de contar a verdade para coraçõezinhos tão puros. Negou. O menino deitou a cabeça sobre os ombros dela. Ela sentiu seu peso e afagou-o. "Eu tenho medo de ficar sozinho, tia. Tenho muito medo."

domingo, 11 de setembro de 2011

Sinto um nervoso
uma rajada que congela a espinha
frio que me arde o corpo,

e é como se a morte estivesse,
tão mansa,
me devorando
pouco a pouco

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mundo, mundo, vasto mundo

acho que amo essa vastidão
que não é minha
que fora de mim é tudo,
que começa quando
termina minha pele,

que é
anti-eu,
mundo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estávamos tão chapados e procuramos um lugar pra sentar e só. No limite da cidade, fomos até uma estação de trem que estava inutilizada há anos. Havia uns três ou quatro trens estancados lá e ninguém sequer pensava mais neles. Não havíamos comido nada o dia inteiro, mas não ligávamos, estávamos chapados e felizes com nossa própria companhia.

Sentei em um vagão aberto. O lugar que estávamos era um morro que, dependendo de como você olhasse, era possível ver toda a cidade de lá de cima. Todas as luzes e tudo funcionando regularmente. Parei pra olhar a mata que crescia em torno de todo aquele canto. As folhas estavam amarelas e havia vários besouros por lá. Clara ainda estava rodando o lugar, procurando um canto agradável pra acender seu cigarro de palha. Continuei olhando fixamente para a mata e, Deus, como eu estava chapado. 

Foi quando eu tive a chance de ver uma das cenas mais bizarras que toda a natureza já viu. Na minha frente um sapo começou a pular freneticamente em círculos enquanto dois besouros pairavam em cima dele e quando o sapo se aquietou os dois besouros o prenderam na tentativa de o matar. Dois besouros pequenos matando um sapo enorme. Eu me sentia em um rodeio, era a platéia daquela carnificina que a natureza pôs em frente aos meus olhos. Parecia que estava olhando em câmera lenta o pobre sapo morrer e eu permanecia estático, como se não pudesse nem devesse fazer nada. 

Quis chamar Clara para observar aquilo comigo mas eu simplesmente não podia. Ou não conseguia. Não foi preciso, de qualquer forma, ela veio até mim com seu cigarro já no final e olhou espantada para a cena. "Por que você não faz nada?!" perguntou. "Eu não sei, parece certo, apesar de errado". Ela ficou indignada com minha resposta simplória. Do sapo só restava os pequenos ossos. "Nunca tinha ouvido falar de besouros carnívoros" disse e olhei para ela. Ela sentou-se ao meu lado no vagão vazio e deu uma tragada que parecia infinita na sua ponta de cigarro. Ela tragava de um jeito meigo e soltava a fumaça como se estivesse em chamas por dentro. Aquilo me enlouquecia.

"Bom, acabamos de presenciar uma cena triste e incrível que jamais teremos a chance de ver de novo." Ela balançava as pernas e olhava para os besouros que ainda sobrevoavam o lugar. "E você tem certeza que só acredita mesmo em seleção natural?" me perguntou rindo; eu assenti com a cabeça. "Há coisas demais pra se acreditar. Eu provaria nesse momento que seleção natural não é tudo que você acredita". Quis que ela provasse. Ela olhou pro meu relógio e perguntou "Que horas são?", "O relógio está quebrado, uso ele porque... ah, simbólico". "Tá, então que horas você acha que devem ser agora?". Eu não fazia idéia do que ela queria com isso. "Não faço idéia, provavelmente umas cinco." Ela deu uma risada que me incomodou. "Está vendo? É claro que você acredita em outras coisas!" Não consegui entender nada e ela me entendeu e sorriu e começou uma grande conversação em que dizia que era óbvio que, partindo do pressuposto que eu entendia e conhecia as horas, os minutos e os segundos como são, eu acreditava em algo maior: o tempo. 

O tempo estava passando devagar e a noite ia, mansinha, cobrindo o dia. Eu vivia durante o dia... e durante a noite, amava.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Somos um suicídio que nasceu;
do sujo, do morto,
do pó que nasceu;

Um suicídio viciado;
que não pretende segurar demais a vida
Que não aguenta mas espera paciente
pra soltar um último suspiro;

Somos um suicídio que vive
só na espera de um momento
que se dá uma última olhada ao redor
e compartilha depois
seus ossos, sua carne, seu pó.

Somos nós,
suicidas,
viciados,
na espera
por um só momento
que poderemos nos chamar de homens
amantes,
anjos,
seja lá como for,

anti-suicidas.