Pages

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Stay Hungry. Stay Foolish.

A vida é mesmo coisa muito frágil. É por isso que está sempre chegada nas ironias.

***

Eram quase dez horas da noite. Minha mãe estava ao telefone com meu pai, enquanto eu, no meu quarto, pude ouvi-la dizer: "Você viu a notícia? É. Eu também vi. Fiquei com pena dele.". Algum tempo atrás, tive minha primeira experiência com a morte. Creio que, desde então, minha percepção auditiva ficou melancolicamente apurada: As palavras quando carregam algo além de seu sentido convencional, pesam na garganta de quem fala.   Com um pouco de medo da resposta, perguntei: "Que aconteceu, mãe?". E quem respondeu de prontidão foi minha irmã: "Steve Jobs morreu, você não viu? Tá em todos os noticiários."

Aquelas palavras, como de costume quando se ouve alguma notícia ruim, ficaram ressoando na minha cabeça. E por alguns instantes, tudo que ouvia era "Steve Jobs morreu". Steve Jobs morreu. Steve Jobs morreu. Steve Jobs. Morreu. E como quem por epifania se dá conta de algo, me deparei com meu celular em minha frente. Um iPhone. Acredito que eu nunca me esquecerei desse momento. A vida é mesmo cheia de ironias. Pensei então em todas as pessoas que também, por ironia, ficaram sabendo da notícia por um celular da Apple. Por um tablet da Apple. Por um computador da Apple. De alguma forma todos nós estávamos conectados, mas não por uma marca. Por algo que indubitavelmente é maior do que o símbolo da maçã e a que, sem sombra de dúvida, deveríamos agradecer: Steve Jobs.

***

Por muito pouco não entendi, de fato, do que se tratava a figura de Steve Jobs. Eu, que na época da explosão dos mp3 no mercado, desejei arduamente um iPod, nunca tive sequer interesse na história da marca da maçã; e acredito que muitos dos que desejavam, também não o tiveram. Muito embora, mais ou menos nessa época - entre 2005 e 2006 - Steve Jobs discursasse para uma turma de formandos em Stanford, expondo sua história e valores. Steve Jobs não foi apenas um gênio da tecnologia, mas seu talento transcendeu nossa época e ambições. E o discurso - o qual eu só fui ter verdadeiro contato meia década depois - me tocou de tal forma que nunca esqueci, como tenho certeza de que nunca esquecerei, suas últimas palavras: Stay hungry. Stay foolish.

Jobs, como muitos devem saber, é filho de pais adotivos. E dentro de uma garagem, fez, com um amigo, o primeiro computador da marca que mais tarde receberia o nome de Apple. O homem, que muitos dizem ser o maior gênio da atualidade, nunca se formou. Nunca teve um ensino completo. E mesmo assim, construiu um legado cultural para o mundo contemporâneo imensamente vasto.

Mas não é do Steve-Jobs-da-Maçã (nem da Pixar) que eu quero comentar. É de um ser humano chamado Steven Paul Jobs, que reconhecia no conhecimento uma forma de sobrevivência e ganhar a vida. Em uma de suas frases mais famosas, dizia:"Again, you can’t connect the dots looking forward; you can only connect them looking backwards. So you have to trust that the dots will somehow connect in your future. You have to trust in something–your gut, destiny, life, karma, whatever. This approach has never let me down, and it has made all the difference in my life." De alguma forma, reconheço nesse homem a grande ironia do século XXI. Uma vez que ele, enquanto batalhava, com a imensa vontade de virar o jogo, formava seu batalhão da Apple, a grande maioria dos jovens do mundo contemporâneo vem seguindo o sentido oposto de Jobs: Enquanto preguiçosos, na procura de uma vida parcimoniosa e sem grandes esforços, desejam cada vez mais, fazendo cada vez menos. Somos nós esses mesmos jovens que desejamos os produtos da Apple, sem reconhecer seu valor, ou sem nos esforçarmos para isso.

Vivemos uma época de grandes heroísmos. Sentamos e esperamos um milagre, o qual sem dúvida nos salvará e nos fará ganhar sucesso e reconhecimento. Enquanto isso, admiramos aqueles que, por esforço, nos  promovem o conforto e a alta tecnologia a rápido alcance. Quanto a isso, sim, Steve Jobs pode ser considerado um herói do século XXI. Mas muito mais pela aparência do que como um mestre definitivamente talentoso.

Creio que, enfim, minha verdadeira tristeza e frustração ao saber que Jobs havia falecido vem de sua determinação de lutar contra o câncer, que, afinal, resume sua perseverança ao longo de toda a vida. O homem, seja qual for, por mais afinco e amor que tenha, hora ou outra, é vencido. Ironicamente.

***

Por último, gostaria de fazer uma breve observação aos pedantes de plantão. Não foi uma única vez que me deparei com comentários do tipo "Um homem morre, milhões choram. Milhões de homens morrem, ninguém chora.", referindo-se à Jobs e a crianças africanas. Creio que estamos confundindo os departamentos e estamos nos preocupando demais com moralismos desnecessários - fora o gasto de energia com uma falsa preocupação que poderia ser canalizada para a Mudança. Enfim, como é um breve comentário, digo apenas que acredito que existem duas formas de melhorar o mundo: Acaba-se com o que há de ruim ou aperfeiçoa-se o que há de bom.

Paz, Steve Jobs.

Nenhum comentário:

Postar um comentário