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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O vento que passa
por mim
se suja
com minhas
lembranças
Meu grande amor é desconhecer o mundo. Só assim sei que tenho ainda a vida inteira para conhecê-lo.


_____




Se fôssemos apenas de carne e osso, que depois é descartável, tenho certeza que não haveria compaixão. Há algo a mais: Dentro de cada animal, planta e pessoa. Há algum tipo de energia, de deus, que nos aproxima, que nos torna humanos.
Eu tenho um cordão umbilical
ligado ao meu Planetinha
Eu nasci da terra e do barro
cheio de lama nos olhos
Eu tenho zil raízes 
em todos os cantos do mundo.
O que os homens ainda não sabem, é que existe uma grande diferença entre conhecimento e sabedoria; existir e viver; estar no mundo, ou ser ele.
Perturbada a noite cala
sendo ela noite-dia o chulo comemorar
da riqueza trazida pelo zéfiro de aroma de ambrósia
e entre acolchoados
nos deitamos no calor do ócio e
do vinho quente, que ardia o pescoço
suavizado
pelo abanar das penas por um escravo

Tibério, tu queres minha mulher?
Venha cá e traga seu mel que
te entrego meu amor,
que o bom gosto é para os olhos
mas para o apetite também.

Não peço alcaçuz, melaço e nem uvas de outro Reino
porque sentir só o vinho posso
E desdenho o azeite fino e o pão requintado
que de migalhas já não vivo mais.
Vivo do dançar defronte a morte
no vivo prazer que me tirou a
sorte.

E lá em cima - ou de trás -
também vejo nosso vilão de Bailleul
Louco seja eu chamado, que
creio mais no vilão do que
em mim.

Ah vilão! trouxeste pra mim
de novo o tocador de trompa!?
O rijo potro, nos vales úmidos que o Sol não vê,
será alimentado de novo!

Oh vilão,
trouxeste a pele francesa
e egipcia pra meu potro degustar!
Tu não te incomodas, violão,
por aqui pastará uma
cavalaria inteira!

Na fonte eterna de
ir e voltar, da secura das mãos e
do aguçado tremor que os olhos
insistem em guardar

Pelo chão, a carne
e a semente amam-se
juntas na hemorragia
letal que
minha pálida e fria bebedeira trouxe.
Fugires

Porque apenas não ando só,
um vago pensamento caloroso me acompanha
e olha por mim cada momento que passo.

Só agora sinto falta dos meus ponteiros lentos,
sinto falta da pura Natureza que me criou.
Que agora a Natureza não anda só,
anda comigo e com os belas.
E vive tudo como se vivesse com ela.
Beija-Flor Chamado Amigo

Querido Beija-Flor,
Carrega o mel de cada dor.
Entre o orvalho de toda rosa,
Rebola e salta em meio à roda!

Ah, Danado!, leva cheio de mimo
Enfim todos meus sorrisos!
Que fiz eu ao receber tanta graça?
Se ao menos eu soubesse – toda vez que ele passa!

Voa, voa, Beija-Flor!
Vá, volte e vêm!
Leve embora meu desdém,
Mas volte à tarde, meu amor,
E – a sussurros – diz no meu ouvido:
“Como é bom estar contigo!”
Certo dia, vi
Uma sem-graça garrafa de papel
Boiando no beijo azul do mar
Pequenas palavras cantarolavam na minha fantasia,
Enviaram-me piratas! Eviaram-me
Um surto roubado,
Uma estrela caída...

Borradas na tinta de um velho poeta,
E sofridas como uma bailarina que se vê rechonchuda.
Todas as palavras sufocaram-me ao peito.
Mas não eram minhas.
Nem eram de ninguém.

Eram apenas do mar e daqueles que lá moram,
Fui eu o tolo de lá tira-las.
O tolo de arriscar-me querido e presente.

Nenhuma carta foi escrita...
Foi só meu olhar perdido no recife
Que as escreveu
E as mandou com as ondas,
Junto com as gaivotas no ar...

Não há de carregar em tuas mãos,
O que os olhos não podem ver.
Não há de carregar com os pés,
O que só o coração pode sentir.

Carregas na alma,
Carregas contigo,
Carregas.
Carregas todo o peso do tempo,
Carregas a amargura do futuro.

Sem notar o que passou,
Descobres que não carregas nada.
Apenas a mera existência.
O corpo sem a alma.
A carcaça,
Cego e tolo.

Carregas cavalo selvagem,
Carregas um gatilho puxado,
Carregas a rosa de Hiroshima.

Porém há de carregar a queda,
O morto,
Os mortos.

Carregas o incompleto e o completo.
Carregas a chuva e o orvalho.
O bebê e o pássaro.
E tu hás de carregar,
Quem a ti também carrega.
Quero o mundo só d'imagens.

Um cão devorando estrelas com seus olhos
                              Um pedaço de papel amassado dentro do lixo
Uma árvore esticando seus galhos na tentativa de abraçar o céu
                              Um homem e seu cigarro
Um pianista com a mente em silêncio

Uma noite rasgada por um meteoro
        Uma prostituta lendo o Soneto de Fidelidade
Um sapato molhado sem o cadarço
        Um cangaceiro berrando por causa do aguardente

Uma pílula que não foi tomada
                           Um livro fechado com páginas amassadas
Um menino procurando uma corda e uma cadeira amarela

Uma música sendo tocada tão longe que não se pode ouvi-la
Um doce que não tem gosto porque não foi provado

Uma máquina fotográfica repleta de lembranças
                Uma tarde tomando sol na praia
                O céu acariciando o mar
Uma menina-careta com areia na boca
Uma tentativa de fugir com uma mala aberta

Um grito suicida do prédio 1407 da Avenida Paulista
                             Uma tarde de sábado e um homem dentro de uma mulher
Um gato malhado que pula de casa em casa
(E assusta a morena)

 Um rio
correndo pra 
abraçar o 
mar
não percebe
que deixou
pra
trás as
pernas
de 
um pescador

A boca do inferno desejando boas-vindas
           Um recém-nascido chorando
por ter recebido o legado da miséria de seus pais
O escarro de um homem que joga futebol
       Uma galinha perdida na rua da cidade grande
A noite servindo de cobertor para aqueles que não o tem

Capitu amando Bentinho
             O bêbado sorrindo porque a Terra toda é mais bonita
Um monge deixando cair sua oferenda

As cruzadas e a
a
    r
e  i  a

Uns gatunos furtando cristais que não existem
          Álvaro de Campos em paz com suas máquinas
Um ouvido que não ouve e uma boca que não beija

Uma poesia perdida na Biblioteca Mário de Andrade
                                                                                Um ônibus que não parou
Um garoto tatuado olhando o céu

Um negro de idade, 
vestindo sapatos sujos e uma boina verde
dando tapinhas carinhosos em uma senhora 
de cabelos brancos.

lembrete ao pedacinho


Pequeno pedacinho de vida,
Feixe de luz que ilumina estas flores socadas,
Esmagadas em palavras!
És o único que faz brilhar os dentes das mulatas!

Ai, pedacinho de vida,
Não te escondas em olhares!
Vem brincar em meu tempo,
Que teus dedos são minha bússola!
E teus olhos são dois imãs.

Meu pedacinho de gente,
Esquece o trem das 7h
E lembra comigo do Sol invadindo a varanda...
Não vá dormir que assim tu só cresces...
Fica essa noite,
Pequeno pedacinho de vida.
Mas se...

Mas se tudo que vejo
Não é mais o que vejo quando reabrir os olhos
Em que realidade devo eu acreditar?

E se tudo que me passa
É tudo que passa
Quem sou eu, se não passageiro?

Mas se os tempos são pequenos e mutáveis
Grandes e absolutos são nossos equívocos.

Bela confusão diante dos olhos
Triste alvorecer do dia
Que devemos acordar
Outros e mais velhos.

E todo rio São João que flui
Não é mais o rio São João que fluiu.
Só é mais água
Que inunda minhas lembranças...

só por falar -

Então ele descarta a idéia
Da existência de Deus,
Viver com câimbra no sorriso...
Amassa, despacha,
Qualquer tipo de fé...
Enquanto isso, eu vou vivendo
Como seu tripé...
O Sol não nasce mais refinado
Para todos os lados...
Brinca só com a inconstância
Social e dos pecados...

Acreditar no sobrinho rancor,
Já que sei pai, meu irmão,
É o próprio Amor...
Imagine que o desespero só
Vale na mente...
Já então poetas choram sobre
Um coração demente...
Há milhares de janelas no céu,
Todas desenhadas por crianças
Melecadas de papel...

Entre meus fundamentos,
Santa Maria e o parecer,
O ser e o mostrar, com seu próprio jeito
de se auto-apagar...
Quando tudo parece bem acomodado,
Só resta achar o resquício da verdade,
Quando se quer entender o futuro e o passado,
Está lá você,
Deitado nas entranhas da sociedade...

ao coração que inda pulsa

Ao coração que ainda pulsa,
Coração inválido de uma musa.
Ao coração sem motivos,
Coração de todos os meninos.

Corações maquiados com amor,
Disfarçados de aversão.
Nem sabem mais o que são!
Pobres corações,
Princesas adormecidas
À espera de um não-príncipe.

Almas com corações,
Corações sem almas.
Ondas os levam para outro corpo.
Corpo que os matarão.

Ao coração que não pulsa!
Um brinde!
Uma cesta de maçãs e vinho!
Pessoas sem rosto,
Apenas com corações que ainda pulsam.

Poesia da Alegria Pouco Duradoura

Naquele dia perturbado,
Quando tudo era um nevoeiro nostálgico,
Mas todo desfigurado pelo calor,
A preocupação que embrulhava minha mente
Sumiu naquele momento...

Foi então que, naquele instante, quando
Eu descia a ladeira da minha percepção,
Eu Vi: a roda de pétalas estava
Na minha frente. E havia
Milhares delas! Milhares de rodas,
Que pareciam crianças – leves,
Livres! – que dançavam na minha frente!

Naquele momento eu comecei a subir.
Porque quando Vi, me senti cheio de calor.
(Mas não calor que vinha de fora,
Daquele Sol que arranhava.)
Brilhavam sóis dentro, no meu peito.
E esse calor me fez subir...
Como se houvesse uma escada no céu...
E eu a subia...

Eu não pertencia à nenhuma dessas rodas.
Mas apenas as olhava e todos nós éramos completos
Entre nós, sem um a mais, sem um a menos.
E ninguém me disse, mas eu sabia que o amor que
Vi na minha frente não era meu, mas era Eu.

Entendi que o mundo, todo, era Eu.
Tudo girava – não para, mas comigo –
Em harmonia como deveria ser...
E eu apareci para assistir junto ao céu, aos arbustos,
Junto à tudo – à dança das pétalas que
Começaram o espetáculo no momento certo para
Mim e para todo o Universo.

ao Sol

Lá longe eu vejo o Sol;
Ilumina longe...
Tão longe!
Lá longe eu vejo o Sol;
Ilumina toda minha
Terra...

Aqui perto eu sinto o Sol
E seu carinho-sossegado
E seu sossego-iluminado,
Mas longe...

Aqui perto eu não vejo o
Sol;
Vejo mais: vejo a Lua,
Vejo o oceano escuro
Em cima de mim.
(quase não vejo!)

Lá longe eu vejo um morro.
E atrás dele está o Sol:
Aqui perto é
Cor-de-laranja-amor.
- pertinho do sol Meu.

Lá longe eu vejo o Sol,
Vejo a infância,
Vejo o Sol


Lá longe...

imagination is more important than knowledge


Querido Professor,
Mais uma vez, não me venha
Com esse papo!
Tu sabes que eu já aprendi
A dividir, subtrair...
E até achar uma igualdade!

Pensei ainda que pudesse ser
A Gramática;
Mas eu decorei de Pronomes à
Relatividade!

Caro Professor,
Se tu soubesse – como é importante!
Não sufocar, nem amassar
Quem aprende!
Pois quem aprende precisa vir
Com liberdade...

A liberdade pra beber ou
Achar pão,
A devida liberdade
Injetada na pressão de uma vida sucedida.
(ou ainda!)
A liberdade esquecida e diluída
Por todo jovem
De querer achar um denotativo
Nas entrelinhas de um mapa-múndi...

Eu sempre te digo, Professor,
Que a matéria mais importante,
Não é Marx, não é Einstein,
Nem Platão;
Não é nem Newton, muito menos
O Drummond!
Rasga todas essas fichas,
Cadernetas e rascunhos,
Que só lá fora existe o punho de verdade,
Consumida em um eclipse ou
Numa volta em torno
Ao Sol...
À Má Si O

Amigo é aquela coisa assim, non
Sense, totally abstrata, pouco jeitosa,
Difícil de se entender,
E mais ainda de segurar.
(como um bom punhado de areia –
Sem formato, nem cheiro)

Amigo é aquilo lá, que pouco recebe
Declarações-bomba-tudo-cor-de-rosa,
Mas que é bom entendedor, nem meia palavra
É precisa para acalmar seu espírito de amigo.

Amigo é espírito calmo, amigo é inimigo
Das tuas paixões, mas não é inimigo do teu sexo,
Já que desconhece qualquer impureza
De gente grande com cabeça
Estrume-de-cavalo.

Amigo é um quadro psicodélico,
Velha-guarda, que Gogh retrataria
Einstein e borboletas-estrelas-que-
-implodem-no-coração.
(mas explodem nas bocas cheias de vontade
De boca de amigo)

Amigo é a teoria da Relatividade, do tempo elástico, desconhecedor do Darwinismo e do teorema de Pitágoras.
Amigo só.
A água salgada mistura-se ao escarro do teu berro e fica. Fica grudado nos olhos a sombra do tufo de cabelos. Fica no esgoto, fica você.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Não demorou mais que dois ou quatro passos - não me lembro ao certo - para que seu coração bombeasse algo que não era sangue:
- Tâmis! disse num grito comprimido, evidente pela coloração pimenta de suas maçãs do rosto.
Ele veio. E fez-se de seu rosto uma deformação agradável chamada sorriso. 

Mais Amor Retido no canTINHO do coração


Que saudades do dia que
O pássaro branco, das penas longas,
pousou na minha janela.
Que veio sereno, calmo como num
dia qualquer.

Que o pássaro mostrou à mim tudo:
a vida como ela é.
A vida dos amores, dos poetas
e da Saudade.
(Da Saudade infinita que tenho
e que todos têm.)

Naqueles dias as penas longas do pássaro
branco, - a paz - brilhavam para mim,
pois eu via aquele cantar tranquilo
e me apaixonei.
O cantar tocava minha mão, com sua
voz de veludo e me
mostrava
contros-de-fada e preás e
seca e morenas de olhos
cor-de-mel.

O pássaro branco foi
mais do que pra mim
a vida é.
Pois a vida estava
no pássaro branco das
penas longas.

O pássaro branco me tirou
da escravidão de olhar
pela janela e me levou
à um passeio em torno ao Universo.

Foi então que ele, em sua
tranquila fala, me convidou
para Amar.

E me deixou.

Passarinho, passarinho branco,
vai voar em paz n’outro cantinho desse mundo…
Eu estava naquele estado de espírito sonolento, quase rastejante… E aquela voz agitada na sala me perseguia com tamanha naturalidade que tanto parecia um canto dos pássaros, como poderia me colocar para dormir num sono profundo…
E eu olhei, imóvel, para aquele corredor, que não estava mais escuro. Estava claro, clarinho como o céu. O corredor estava vazio e aquele vazio que me fazia pensar. Me fazia pensar que, em breve, o corredor estaria lotado, cheio de sorrisos, como sempre esteve. Cheio de abraços e olhares. Mas estaria faltando a minha eterna angústia de estar naquele corredor. Corredor que, para mim, foi motivo de sofrer, de querer refúgio, de sentir solo.
Mas aquele corredor, como todas as paredes dele, ficaram repentinamente coloridas. Porque, para mim, passei a entender o corredor como um caminho para se chegar a algum lugar. E eu cheguei nesse lugar, sem nem abrir os olhos para admirar o corredor. Foram nos minutos finais que resolvi espiar, como quem é curioso, por aquela abundância de ternura e toda a sua familiariedade.
O corredor continua o mesmo.
Estava vazio.
E lá estava alguém. E eu lembrei desse alguém e subitamente me senti incompleta, porque sabia que, em breve, tanto o alguém, como todos, fariam apenas parte de recordações. Eu olhei para o corredor tarde demais.
E quando vi, até o meu amor já havia desaparecido. Ele despareceu junto ao que sempre tinha acompanhado: Seu sorriso caloroso e seu calor sorridente. Meu amor, com aquele jeito de me fitar com ternura, já havia ido embora. Muito embora eu conseguisse, nitidamente, ver meu amor naquele corredor.
Se eu estivesse num jardim cheio de girassóis ou perto de peixinhos nos corais, não veria nada do que não vi no corredor. Vi caos e vi paz. Vi ambições e vi tudo, tudinho cinza. Vi meus sonhos e ouvi até música de um velho violão.



O corredor do 4° e 5° andar do Colégio São Luís nunca escaparão da minha memória.
Que o passado não existe em si,
senão pelo fato de nós o
reconstruirmos.

Que dia sobre dia,
como tijolinhos,
nós remendamos a imensa
teia da Sabedoria e da experiência,
pelas quais eu vejo o mundo
de agora:

Ô, mundo, não tardas para virar
outro tijolinho!

Ah, pouco me importa viver, 
se viver não for 
colecionar minhas lembranças!
Se Drummond soubesse o tamanho da saudade que está sobre mim à pairar,
ora, montaria palavras para Bethania cantar! 
roubou meu coração
com tamanha destreza
que nem me dei
conta
que já havia passado
séculos
e só percebi
quando me mirei
num lago e
vi meu reflexo
sorrir
O beijo é a gruta do amor.
Por que se algo quero contar,
canto logo em poesia?
Vivo o mundo em versinhos
e não vou reclamar:
pois ando em alegria,
falo do amor todo dia!

Maurício era um homem sem corpo. Porque Maurício não precisava dele. Só precisava de sua mente. Estava tudo guardadinho em sua cachimônia. O resto era resto.
Maurício inventou o mundo. Mas Maurício nunca precisou do mundo. O mundo estava em sua mente. E quando o concluiu, foi bem aplaudido. 
Maurício sorriu.
Maurício não precisava de mais nada. Roupas? Pra que, se ele não tinha corpo?  Comida, jogos? Ele não precisava.
Maurício só tinha seus sentidos: aguçadíssimos, por sinal. E com eles, Maurício tinha tudo por perto. Na verdade, tudo estava tão perto dele que poderia se dizer que tudo estava nele.
Certa vez, Maurício inventou um diabo. E se tornou inteiro vermelho, de olhos flamejantes e com uma cauda de serras cortantes. Mas Maurício não gostou do jeito que se viu. E logo inventou o anjo. Brincou com sua harpa, acariciou suas asas com as delicadas mãos de anjo… E voltou a ser Maurício.
Por que ser algo que não é Maurício? Maurício era ser tudo.
Maurício conseguia inventar sinfonias com tanta destreza quanto Mozart e conseguia desabrochar como um lírio.
Maurício tinha mãos, pés, barriga, pernas… Era um ser humano completo e comum. Mas não se pode dizer que ele era comum. Era tão singular, Maurício. Só ele tinha o mundo consigo. Mas o compartilhava conosco mediante à arte de ser Maurício.


Dedicado à Maurício Soares Filho, querido professor de literatura. 
Eu sabia, daquela primeira vez, que não era normal.
Que era uma irradiação de outro mundo,
Que as estrelas se uniram e um novo Universo explodiu,
Que o mar abriu no meio e um bebê tocou o Sol com as mãos:
Era o amor me convidando para entrar.

Eu não tive dúvidas. Tudo parecia claro e razoável.
Sem hesitar, eu o fiz:
Tranquei as portas pra nunca mais sair.

o vulcão sou eu

Ai que dor!
Ora, por que, me diz?
Se me sinto tão caótica
quanto a fumaça de um vulcão
que acaba de explodir!
…sinto os nervos tremendo prontos para implodir…
me sinto a própria lava do vulcão!
(Ou o vulcão sou eu?)
Sou eu?
Pois então: estou quente como se o
vulcão fosse eu.

É febre caótica fechando minhas
noites em dias tão ensolarados que
a luz parece flechadas nos olhos.

Ah! Maldita febre…
Pois tão ortodoxa quanto minha febre
não há.
Vontade minha de despedaçar
o mal-estar que me dissolve
os neurônios…

Mas… que isso!
Por hora outra vontade me consome -
E essa vontade me faz querer,
e tudo que vejo
é mais do que ver tudo -
Em dois minutos o pescoço parece
não me erguer mais e minhas pernas
parecem dois frágeis galhos em meio à
ventania.
Por hora…

E agora o que quero, e só isso, é
coagular a dor de todos esses
sonhos esquizofrênicos e mentirosos.
Sonhos os quais mantém o vulcão
em erupção e me convidam à
pular na gruta vermelha e eterna
dele.

Que dor, ai que dor!
se uma voz ecoa, consigo ouvir
música: não, ora, não é música!
São aqueles sonhos esquizofrênicos
brincando de inverter meus sentidos.
E eu sinto um gosto diferente de
um amor que não é amor:
É um vulcão queimando manso
meus olhos.

Olho… Olho… porém nem
ao menos consigo confiar no que vejo.
Vejo, mas meus olhos são os portais
da mentira dos meus outros sentidos.
E quando vejo, na verdade,
sei quem é:
são os anõezinhos trocando de ordem
minhas palavras e minha realidade:
Minha lucidez se foi!

Foi embora… E dizem que já vai tarde…

Mas e eu, navegando nesse mar,
sinto as náuseas do vírus que
castiga minhas células:

Eu troquei os antídotos! Enquanto quero
me curar, minha consciência é
levada por dois cavalos, meus olhos,
rumo ao precipício de apenas te ver e tanto
te almejar.
O vento não leva o pó sobre mim,
já que o pó sou eu.
Sou o restante do restante do resto no canto,
amontoadinho em uma esquina.

Sou dispersa e sou inteira:
Sou pó de fobia de uma menina.  
Falando assim, ninguém
acredita;
Mas ainda sou menina: 
descaio toda vida 
de medo
de amor!
Tem palavra que pulsa da tua boca como algodão
que entra e faz coceguinha no pensamento

 Tem olhar teu que pula da tua boca como língua
 que me faz carícia e beija em seu desalento
Sempre acreditei que os homens fossem apenas intermediários entre anjos e a música. Mas existe um caso particular, que comumente chamamos de Mozart, o qual permito-me dizer: É um anjo entre nós, tocando a mais divina das músicas.
E de tão
poderoso
que era, roubou
o próprio azul dos céus
para tê-lo
em seus
olhos. 

do suicida que perdeu seus motivos

E ele se foi

e junto a ele
a ternura
que me trouxe
e ele se foi

e quem sabe eu,
triste, com a tristeza
que também ficou
acabo por aqui e
vou como ele
- com ele

mas espero,
que no meu ir e vir,
eu vá com calma

já que é fácil ir
- vou te encontrar -
mas tão difícil pra quem
vai ficar.

A realidade ou a arte?!

Uma vez que o ser humano nasce, ele enfrenta a realidade e a arte, juntas, como se fossem uma coisa só. Não consegue diferenciar o que é ironia de um fato, o que é paisagem e o que é pintura, o que é o chacoalhar das folhas de uma árvore de música, o que é amor e o que é teatro. Mas não que não haja diferença. E há. Mas o simples fato de que não interessa já é o bastante pra não separar a realidade da arte.
E chega um momento que ele precisa da arte. Todos nós precisamos, eventualmente. Precisa do aconchego das palavras, deitadas sobre o papel de um livro, prontas para encaminhar seu leitor à outro tipo de viagem. Precisa de um ruído agradável. Precisa rir de si mesmo e precisa delatar os outros.
E não se entende bem ao certo porquê. Todos nós sabemos que somos arte, somos arte o tempo inteiro, mas não entendemos como. Somos um projeto do nanquim que ainda não foi usado, o sorriso que ainda não foi interpretado.
 E é tão confortável viver de arte que nem nos damos conta: é arte! E a arte nos cerca de maneira que nem o amor consegue o fazer.
Mas chega um dia, um dia maravilhoso! Nesse dia o Sol deveria brilhar como se fosse dois: O dia que se entende a realidade. O dia em que se olha e faz mais do que ignorar. O dia em que nosce te ipsumacontece.  E o ser humano faz mais. O ser humano se apavora. O ser humano tem medo de se entender!
E cria-se um sentimento pleno de impotência, de parte-de-um-todo, de Universo.
E então ele começa a se retrair. Percebe que o mundo é feito além de sua própria arte, a qual precisa para sobreviver. E entende que a arte estava ali muito antes dele. Ele se torna um indivíduo. E em seu ser indivíduo, ele se torna individual. Precisa disso porque precisa ser pequeno, encolhido, já que é muito pouco perto do Universo.
E ele que veio de um sonho bonito de felicidade, dá de cara com o desgosto, a agonia, a morte, a ignorância. E acha tudo isso tão comum, mas não sabe, agora, como ver! E decide tentar coexistir com esses elementos, porém não consegue mais viver. Porque a vida agora o apavora e a arte não existe mais. Não para ele.

E redescobre a arte.
E a conquista de uma forma diferente de como a tinha antes:
Ele tem a arte à seu favor. É sua arma. É seu alicerce para não morrer com a realidade. 
E essa gente toda prefere colecionar lembranças à viver.

Tem um tipo de gente que eu costumo gostar:
Aquelas pessoas que não só são autênticas, como conseguem fazer com que sua personalidade exale por seus gestos e expressões - sem tornarem-se ridículas. Pessoas as quais transformam suas palavras e sentimentos em extensões do próprio corpo, como se tudo fosse um conjunto. E que conjunto maravilhoso de se ter por perto! Essas pessoas marcam sua presença no ambiente de um jeito que nem a metafísica pode explicar.

É. É dessas pessoas de quem gosto.
Sei que são poucas as pessoas que o sentem. Ainda assim, continuo a achar o sentimento mais puro do mundo.

Enquanto minha mãe traduzia aquelas palavras, escritas com letra redonda e infantil, meu coração parecia apertar contra ele todos os músculos do meu corpo. Palavras as quais não poderiam ser traduzidas de forma melhor, nem de modo mais sincero. Aquelas linhas completas não pareciam falar outra língua. Pareciam, pra mim, dizer algo que era claramente universal. Embora eu não conseguisse decifrar o que ali dizia, um sentimento caloroso me penetrava e consumia o corpo. E então eu podia ver claramente o rosto de cada uma das crianças, como se elas estivesse pedindo diretamente à mim. E meus braços desejam laçá-las e prometê-las que tudo ficará bem.

Vai sim. Eu prometo, Britney, Jufrendy, Johan e Melvin. 
E aquele negro que eu conhecia desde telefone-com-fio estava decadentemente acabado. Era tanto músculo caído e dente amarelo ou que faltava, que parecia que se ele puxasse um bocado de pele, esta se descolaria do resto do corpo e desmancharia em sua mão, como a areia de uma ampulheta faz com o tempo.
Pra certas pessoas, como ele, o tempo não parecia chegar, muito embora; O tempo só havia consumido sua aparência - era belíssimo - mas sua alma continuava risonha e inteiriça.  

Sobre Folhas Secas
         Era uma estrada estreita, de tantas curvas que permitiam ao viajante ver apenas alguns metros à sua frente sem ter de contornar. Suficiente para apenas um automóvel passar, era também rodeada de árvores e uma vastidão de plantações de trigo ao seu redor. Naquele determinado ponto da viagem, era possível ver um céu amarelado às tardes, o qual se completava com o cheiro de madeira molhada levado pelo vento ao nariz de quem ali passava. O asfalto era quente, como se na estrada sempre fizesse sol. As árvores seminuas, com seus braços querendo abraçar o céu, lentamente despiam-se para o outono. Dificilmente por lá passava alguém; embora sem ninguém a estrada fosse completa.
         Eis que aconteceu: As folhas secas, que descansavam sobre o chão numa contente preguiça, - não eram perturbadas há estações - subitamente começaram a voar por toda a dimensão da estrada e, sem que déssemos conta, todas elas se desmancharam, formando um chuvisco de pedacinhos de folhas.
Era uma moto que acabara de passar.
Ai! Mas
que bom que a 
noite vem; calma, vem.
Que bom que
deito minha tonelada-cabeça
n’almofada.
Que bom deixar cada sonho
escorrer pelos meus fios
de cabelo.
E molhar a cama
com a dor 
do ontem.

Que dor que foi!
mas espero, e o sono
vem.
E o mundo não precisa
existir mais.
Nem a dor
de ontem. 
E ele me disse, com um sorriso meigo no rosto, que ninguém era feliz. Não havia maldade naquela pessoa. E, desse mesmo jeito, ainda tentava me provar que eu não deveria acreditar em ninguém.