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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Poeta.

O poeta não vive apenas da linguagem elevada, como diz o senso comum.
O poeta é tão humano quanto o médico, o advogado e o economista.
O poeta guarda suas emoções e as vezes a solta e chora, gritando por dentro o nome da mãe.

O poeta também já foi criança e também roubou um pedaço do bolo de laranja da vó,
Já brincou de carrinho e já disse umas péssimas no ouvido da namorada.

O poeta já quis pular de pára-quedas
e o poeta também já desejou ter grana demais nos bolsos pra passar as férias em Marseille.
O poeta já bebeu demais e vomitou no vaso da planta preferida da mãe do amigo do poeta.

Ah! inóculos olhos prisioneiros,
dá-nos algum remédio que nos cure dos preconceitos,
para agarramos de vez estas flores que nasceram no concreto!

O poeta, amigo, escarra!
O poeta é você, mijando no meio da rua!
O poeta perdeu a passagem e ficou esperando o trem de depois!

O poeta somos nós, a todo momento, em cada vão instante!

Mas sabe bem o poeta, que só a arte salva.
Estava sentindo agudas dores de estômago pela desconexão com uma alteridade em particular. Era o amor que nutria, absurdo e secreto, por um moço loiro mediano.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O bruto, nos tempos modernos, deixou de ter um falo e um estômago apenas. O bruto tem, hoje, um bolso e uma mão fechada. Mas o que fica no bruto e que não muda é sua irremediável vontade de apropriar tudo para si mesmo, sem pecar pela prontidão dos ponteiros, nem a concessão do espírito humano. O bruto é um bicho, enfim, que acredita que a liberdade alia-se à posse e ao poder, sem a disciplina e aplicação do conhecimento.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Não falem comigo.

De repente Ele
Chegou. Me
viu sentar nos cantos obtusos
e selvagens de lugares à meia-luz,
só,
e me ofereceu um gole de jazz,
um pedaço de cigarro
Deitou na minha cama,
me chamou devagar.

De repente. Me
abriu as portas dos bares familiares,
que me ofereciam cuidados mentais
e me levou a passear
mãos e peitos unidos,
Deitou na minha cama,
me chamava para amar.

Não falem comigo.

Há pouco. Me
Deitei a cabeça no buraco de um peito amigo
troquei o sentimento do mundo
por tudo que não tem sentido
Chamei-o de meu lar,

Não falem comigo.

- Se já tens Meu beijo, de Ti
agora só espero escarrar?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Escrever sobre o amor!
Vamos escrever sobre o amor,
sobre nossos melodramas diários,
sentimentos doentes e contagiantes!

Vamos escrever um imenso livro sobre o amor!
E ainda!
Vamos lê-lo para sempre!
Vamos? O amor é tão fácil, tão sedutor!

Vamos escrever sobre os travesseiros molhados, sobre os carteiros mal-amados, sobre os meninos que buscam o que há debaixo da saia!
Amor!

Sim: mas antes de escrever sobre o Amor,
Com dificuldade
retiro- me da minha posição de amante,
Desse modo O enxergo de longe
Mesmo que assim fique repleto de dor por estar longe do sentimento do mundo,
Mas finalmente posso admirar sua verdadeira beleza.

Os amantes não sabem o quanto os poetas os acham maravilhosos.

Um Bruto

Sou poeta e dono de dois mundos.
Tenho a definição exata de poesia
e guardo-a no bolso rasgado da calça.
Sou poeta, torto, desgrenhado,
Minhas linhas são todas erradas.

Sou poeta,
dono absurdo de pequenos insetos
de às vezes duas ou três patas
um viveiro de palavras.

Sou poeta,
esclarecedor do mundo, o iluminismo
da existência:
flor, borboleta sem asas;
mel, aguardente das abelhas;
poesia, ópio do alterego humano.

Sou poeta,
bêbado mal-vestido que adotou
uns bares que não tem dinheiro para comprar cadeiras,
bebo em pé nos balcões das dores do mundo
as gotas revolucionárias de uma ditadura mental.

Sou um animal!
O pior deles, não tenho razão,
sou um absurdo mesológico
Não aguento nada que me é oferecido,
devoro grotescamente carnes mal-amadas
e ando de bonde em bonde com o umbigo
nu,
Sou um animal e sou o pior deles!

Sou dono de dois mundos
e um deles não me quer:
Eu sou poeta, sou irracional, medonho,
medroso, torto, errado: bruto.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ai!, ora
Como quero um pouco de monotonia
um pouco a mais de tempo
Um pouco de tédio pros ponteiros
do meu relógio de pulso!
Suplicaria por menos abas
menos janelas
menos amores

Não quero mais esse caos
Quero que o sangue dentro de mim tenha mais calma
Meu coração para bater mais devagar...
Tire de minha frente essa coca e esse café!
Canso e agito.

Quero ver a vida devagar
Quero notar e notar e notar a vida passando
Bem devagarinha
Em frente e dentro de mim!

Se ao menos tivessemos mais tempo
como diria o poeta - poderiamos fazer
uma poesia direita
nossos versos nao seriam mais belos,
seriam inteiros
não seriam qualquer anotação fosca
cópia esdruxula de nossos amantes
seria redonda e aguda
como nossos desesperados sentimentos

Quero a vida devagar;
Dê-me a triste vida perpétua dos poetas!
Quero uma tarde inteira e um verso de uma palavra
Chega, BASTA! a esse caos que alimenta minha apatia

Quero a vida tão devagarinha...

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Arte não se contenta com sua plena existência. Ela é um enorme auto-falante que implora para ser escutada. Mas não apenas: quer ser apalpada, degustada, cheirada profundamente. Ela suplica por orgias e não se aborrece com nada. Porque arte é o aborrecimento e o desejo. É o motor humano.
Se a vida fosse como o cinema, seria mais bela e nós mais alegres. Mas enquanto o modelo de cinema for o americano, viveremos uma mentira partidária e uma desilusão romântica.

À Luz da Tradição

Sento-me em frente ao computador e começo a escrever. Enquanto minha reflexão sobre tudo que me cerca é exclusivamente íntima e pessoal, os meios dos quais faço uso para encaminhar os pensamentos são inúmeros e me servem de pronto.

Baseados na importância da era do computador e da tecnologia de exata presteza, surge uma idéia do Common Core Stated Standarts Iniative de abolir a letra cursiva do ensino, substituindo-a pelo computador. Esta não passa de um impulso e uma assinatura no papel de algo que já vem incorporando a sociedade contemporânea há algum tempo: a substituição da tradição pelo que há de mais moderno e usual.

Muito embora faça uso de todos os recursos que tenho disponíveis, não me acode a memória um momento em que me senti prejudicada por usar a letra cursiva, a lápis e a papel. Pergunto-me então por que uma instituição importante, de ação conjunta de 46 estados americanos, decidiria por aboli-la. Dificuldade? Mercado? Falta de métodos de ensino?

Digo então o óbvio: É comum a vontade de acabar com aquilo que não se entende ou tem-se dificuldade. Alunos e professores, sentindo-se prejudicados com aquilo que ensinam e são ensinados, procuram meios mais parcimoniosos. Mas não enxergo nisso um grande motivo. Afinal, o ganho com a escrita à mão é maior do que o prejuízo.

A escrita ajuda o aluno a desenvolver seu senso crítico, avaliando com mais calma e cuidado aquilo que lê e escreve; e muito além: ajuda a construir seu intelecto e moldar o raciocínio – bem como a matemática, que embora seja de pessoal desagrado, serviu-me como instrutora do mundo lógico. Não apenas, mas a escrita é um meio de identificação pessoal, é a primeira criação de um aluno, a primeira externalização de seu mundo em desenvolvimento.

Termino meu texto, enfim, no papel, à mão. E, agradecida pela bênção de compartilhar do mesmo método de escrita que Machado de Assis e Guimarães Rosa, deixo minha pequena criação descansar à luz da tradição.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Na penumbra de suas palavras eu fiquei
E expremeu as palavras que lhe foram oferecidas, como quem quer extrair dela a suma verdade.

Stay Hungry. Stay Foolish.

A vida é mesmo coisa muito frágil. É por isso que está sempre chegada nas ironias.

***

Eram quase dez horas da noite. Minha mãe estava ao telefone com meu pai, enquanto eu, no meu quarto, pude ouvi-la dizer: "Você viu a notícia? É. Eu também vi. Fiquei com pena dele.". Algum tempo atrás, tive minha primeira experiência com a morte. Creio que, desde então, minha percepção auditiva ficou melancolicamente apurada: As palavras quando carregam algo além de seu sentido convencional, pesam na garganta de quem fala.   Com um pouco de medo da resposta, perguntei: "Que aconteceu, mãe?". E quem respondeu de prontidão foi minha irmã: "Steve Jobs morreu, você não viu? Tá em todos os noticiários."

Aquelas palavras, como de costume quando se ouve alguma notícia ruim, ficaram ressoando na minha cabeça. E por alguns instantes, tudo que ouvia era "Steve Jobs morreu". Steve Jobs morreu. Steve Jobs morreu. Steve Jobs. Morreu. E como quem por epifania se dá conta de algo, me deparei com meu celular em minha frente. Um iPhone. Acredito que eu nunca me esquecerei desse momento. A vida é mesmo cheia de ironias. Pensei então em todas as pessoas que também, por ironia, ficaram sabendo da notícia por um celular da Apple. Por um tablet da Apple. Por um computador da Apple. De alguma forma todos nós estávamos conectados, mas não por uma marca. Por algo que indubitavelmente é maior do que o símbolo da maçã e a que, sem sombra de dúvida, deveríamos agradecer: Steve Jobs.

***

Por muito pouco não entendi, de fato, do que se tratava a figura de Steve Jobs. Eu, que na época da explosão dos mp3 no mercado, desejei arduamente um iPod, nunca tive sequer interesse na história da marca da maçã; e acredito que muitos dos que desejavam, também não o tiveram. Muito embora, mais ou menos nessa época - entre 2005 e 2006 - Steve Jobs discursasse para uma turma de formandos em Stanford, expondo sua história e valores. Steve Jobs não foi apenas um gênio da tecnologia, mas seu talento transcendeu nossa época e ambições. E o discurso - o qual eu só fui ter verdadeiro contato meia década depois - me tocou de tal forma que nunca esqueci, como tenho certeza de que nunca esquecerei, suas últimas palavras: Stay hungry. Stay foolish.

Jobs, como muitos devem saber, é filho de pais adotivos. E dentro de uma garagem, fez, com um amigo, o primeiro computador da marca que mais tarde receberia o nome de Apple. O homem, que muitos dizem ser o maior gênio da atualidade, nunca se formou. Nunca teve um ensino completo. E mesmo assim, construiu um legado cultural para o mundo contemporâneo imensamente vasto.

Mas não é do Steve-Jobs-da-Maçã (nem da Pixar) que eu quero comentar. É de um ser humano chamado Steven Paul Jobs, que reconhecia no conhecimento uma forma de sobrevivência e ganhar a vida. Em uma de suas frases mais famosas, dizia:"Again, you can’t connect the dots looking forward; you can only connect them looking backwards. So you have to trust that the dots will somehow connect in your future. You have to trust in something–your gut, destiny, life, karma, whatever. This approach has never let me down, and it has made all the difference in my life." De alguma forma, reconheço nesse homem a grande ironia do século XXI. Uma vez que ele, enquanto batalhava, com a imensa vontade de virar o jogo, formava seu batalhão da Apple, a grande maioria dos jovens do mundo contemporâneo vem seguindo o sentido oposto de Jobs: Enquanto preguiçosos, na procura de uma vida parcimoniosa e sem grandes esforços, desejam cada vez mais, fazendo cada vez menos. Somos nós esses mesmos jovens que desejamos os produtos da Apple, sem reconhecer seu valor, ou sem nos esforçarmos para isso.

Vivemos uma época de grandes heroísmos. Sentamos e esperamos um milagre, o qual sem dúvida nos salvará e nos fará ganhar sucesso e reconhecimento. Enquanto isso, admiramos aqueles que, por esforço, nos  promovem o conforto e a alta tecnologia a rápido alcance. Quanto a isso, sim, Steve Jobs pode ser considerado um herói do século XXI. Mas muito mais pela aparência do que como um mestre definitivamente talentoso.

Creio que, enfim, minha verdadeira tristeza e frustração ao saber que Jobs havia falecido vem de sua determinação de lutar contra o câncer, que, afinal, resume sua perseverança ao longo de toda a vida. O homem, seja qual for, por mais afinco e amor que tenha, hora ou outra, é vencido. Ironicamente.

***

Por último, gostaria de fazer uma breve observação aos pedantes de plantão. Não foi uma única vez que me deparei com comentários do tipo "Um homem morre, milhões choram. Milhões de homens morrem, ninguém chora.", referindo-se à Jobs e a crianças africanas. Creio que estamos confundindo os departamentos e estamos nos preocupando demais com moralismos desnecessários - fora o gasto de energia com uma falsa preocupação que poderia ser canalizada para a Mudança. Enfim, como é um breve comentário, digo apenas que acredito que existem duas formas de melhorar o mundo: Acaba-se com o que há de ruim ou aperfeiçoa-se o que há de bom.

Paz, Steve Jobs.

sábado, 8 de outubro de 2011

Ai!
Como queria que
o hálito da loucura
preferisse outrem

E não quisesse
apodrecer
em minha boca.
Se Machado de Assis, quando homem, tivesse algum defeito, eu não hesitaria em renunciar todas minhas virtudes para a este acolher.
E nos amamos debaixo dos lençóis feito uma máquina a vapor, que por final emperra e explode, mas que, como não se espera, só assim dá se por feita sua criação.
Nunca tinha parado para pensar que festas de Natal poderiam, afinal, significar mais do que uma reunião em que a família se junta para beber e comer.

Estávamos todos nós, nossa imensa família, reunidos em uma sala pequena, do humilde aposento de minha tia. Estávamos todos bêbados e com nada no estômago; e enquanto a comida apenas deixava seu cheiro sedutor no ar, babávamos com a alma, morrendo de fome. Quietos.

Meu tio Raul estava especialmente mais quieto que os demais, encostado ao lado de uma prateleira empoeirada, onde ficavam as garrafas de vinho. Foi quando olhei pra ele, que me olhou também e retribuiu com um modesto sorriso, o suficiente pra entortar suas rugas na bochecha. Voltou a encarar o carpete, perplexo com não se sabe o quê. Começou então a balbuciar algumas coisas; ninguém ligava, estavam todos muito bêbados. E mesmo quando se fez completo silêncio, só eu tentei ouvir o que o homem dizia. Começou falando sobre bicicletas e corridas. Ninguém entendia nada. Porém, o entretenimento da minha noite era conseguir captar a essência de suas palavras.

"O importante mesmo é não parar. Apesar de tudo. Não importa se você prefere correr e logo descansar quando o Final chegar ou se você prefere ir devagar e devagar na espera por um lugar para se chegar, mesmo que esse não exista. Cada um com seu ritmo. O importante é não parar. E veja só todos nós aqui reunidos nessa belíssima comemoração, nos amando, correndo léguas de linhas de pensamentos, juntos. Sim, o importante é não parar..."

O Natal não rendeu e acabou chegando a terça-feira. Mas o que era realmente importante... era continuar. Porque tudo, absolutamente tudo, segue seu fluxo, sempre continuando, sem parar. Se os astros não param, girando em suas órbitas, por que deveríamos nós?

sábado, 17 de setembro de 2011

O Trapezista

Correu!

E quanto mais a nuvem vinha mais a nuvem escurecia a escura face do menino e 
correu, correu que seu lenço desamarrou e a nuvem engoliu e
correu, correu que suas pernas rotas e seu destino coxo não aguentou
e parou,
e a Bahia toda olhou

e correu
correu que o ar se abriu no meio
um pássaro zombou
por uma folha
passou

"Se jogou"
e nem anjos
nem ódio algum
nem ninguém
correu mais
que SemPernas
correu
pra cair
da montanha
onde
em seu leito

morreu.
eu não sei quando eu maldisse a vida
pra tanto destrato eu dela receber.
me aproximo, ela afasta,
depois resmunga baixinho
que não to feitinho pra ela

mas o que é que eu fiz pra ela,
não sei.
só sei que quando chego perto
ela fica meio assim
tímida, cheia de ternura,
nem me olha nos olhos.

e o que acontece é que se a vejo de longe,
lá está ela, 
a serviço de mãos alheias.
e, olha, mesmo quando, no grande momento, chegou ela pra mim,
não foi:
bastou poucas linhas tortas e me deixou.

ai, menina,
a poesia só teima em fugir de mim...
mas foi bem assim que encontrei nela

minha primeira namorada.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Eu sonho com esse mundo em que as coisas podem ser as coisas, propriamente falando, sem que seus motivos sejam questionados.
Sonho com um mundo que os pássaros voem, sem que haja alguém que se pergunte se são felizes por estarem mais perto do céu.
Sonho com um mundo que as flores não recebam mil adjetivos e que cheirem apenas como flores.
Sonho com um mundo que os namorados não entreguem a Lua como promessas de seus amores.
Sonho com um mundo que tudo fique mais simples, sem perder a beleza de ser o que é.
God, as a common thing, is what we're all looking for while we pray and ask forgiveness, and God is what we use as an explanation for what is Unkown.
but God, in my view, is what I feel when I close my eyes after a long, hard day of work. God is what touches me deep when I decide to make an important decision. And God is what, besides don't knowing it at the moment, stays close to me when I walk, and when I fall, He's the one to help me stand up. I feel blessed not because I want to be loved, nor I need to accumulate faith, but because love is all that surrounds my soul.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Era um menino miudo, mulato e sorridente que resolveu sentar ao meu lado no ônibus. Estava eufórico enquanto sua tutora ainda passava pela catraca. Ela, ao perceber que não haveria lugar perto do seu pequeno, sentou-se no assento à frente. Mas o menino não sossegava; ora virava de um lado, tentava deitar desengonçadamente, virava pro outro, cruzava as pernas. "Tia, posso sentar no seu colo?", eis que a tutora logo responde que não, que carregava sacolas demais e que um menino não caberia. "Mas, tia, eu quero ser o mais alto do ônibus! Me deixa sentar no seu colo, vai?" e ela, firme, negava seu pedido. Não me aguentei, pensei em todas minhas fantasias de criança, todas as lembranças dessa imaginação avidamente criativa de quando se é menor e ofereci meu colo ao mulatinho. Os olhos dele se encheram de brilho e virou-se para sua tutora com olhar de permissão. Obviamente ela não conssentiu. Olhei para o garoto, frustrado, e sorri.
Dois passageiros largaram seu lugar mais a frente do ônibus e o menino correu para guardá-los. A tutora foi logo atrás dele e sentaram-se. Bastou que ela largasse suas sacolas no chão e o menino fugaz partiu para seu colo e a abraçou. "Tô mais alto que todo mundo aqui!"
Me desliguei dos dois. Quando meus olhos pousaram de novo naquele lugar com o miudinho, pude ouvir "Tia, você não tem medo de ficar sozinha?", quando adulto, na realidade, tem medo de contar a verdade para coraçõezinhos tão puros. Negou. O menino deitou a cabeça sobre os ombros dela. Ela sentiu seu peso e afagou-o. "Eu tenho medo de ficar sozinho, tia. Tenho muito medo."

domingo, 11 de setembro de 2011

Sinto um nervoso
uma rajada que congela a espinha
frio que me arde o corpo,

e é como se a morte estivesse,
tão mansa,
me devorando
pouco a pouco

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mundo, mundo, vasto mundo

acho que amo essa vastidão
que não é minha
que fora de mim é tudo,
que começa quando
termina minha pele,

que é
anti-eu,
mundo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Estávamos tão chapados e procuramos um lugar pra sentar e só. No limite da cidade, fomos até uma estação de trem que estava inutilizada há anos. Havia uns três ou quatro trens estancados lá e ninguém sequer pensava mais neles. Não havíamos comido nada o dia inteiro, mas não ligávamos, estávamos chapados e felizes com nossa própria companhia.

Sentei em um vagão aberto. O lugar que estávamos era um morro que, dependendo de como você olhasse, era possível ver toda a cidade de lá de cima. Todas as luzes e tudo funcionando regularmente. Parei pra olhar a mata que crescia em torno de todo aquele canto. As folhas estavam amarelas e havia vários besouros por lá. Clara ainda estava rodando o lugar, procurando um canto agradável pra acender seu cigarro de palha. Continuei olhando fixamente para a mata e, Deus, como eu estava chapado. 

Foi quando eu tive a chance de ver uma das cenas mais bizarras que toda a natureza já viu. Na minha frente um sapo começou a pular freneticamente em círculos enquanto dois besouros pairavam em cima dele e quando o sapo se aquietou os dois besouros o prenderam na tentativa de o matar. Dois besouros pequenos matando um sapo enorme. Eu me sentia em um rodeio, era a platéia daquela carnificina que a natureza pôs em frente aos meus olhos. Parecia que estava olhando em câmera lenta o pobre sapo morrer e eu permanecia estático, como se não pudesse nem devesse fazer nada. 

Quis chamar Clara para observar aquilo comigo mas eu simplesmente não podia. Ou não conseguia. Não foi preciso, de qualquer forma, ela veio até mim com seu cigarro já no final e olhou espantada para a cena. "Por que você não faz nada?!" perguntou. "Eu não sei, parece certo, apesar de errado". Ela ficou indignada com minha resposta simplória. Do sapo só restava os pequenos ossos. "Nunca tinha ouvido falar de besouros carnívoros" disse e olhei para ela. Ela sentou-se ao meu lado no vagão vazio e deu uma tragada que parecia infinita na sua ponta de cigarro. Ela tragava de um jeito meigo e soltava a fumaça como se estivesse em chamas por dentro. Aquilo me enlouquecia.

"Bom, acabamos de presenciar uma cena triste e incrível que jamais teremos a chance de ver de novo." Ela balançava as pernas e olhava para os besouros que ainda sobrevoavam o lugar. "E você tem certeza que só acredita mesmo em seleção natural?" me perguntou rindo; eu assenti com a cabeça. "Há coisas demais pra se acreditar. Eu provaria nesse momento que seleção natural não é tudo que você acredita". Quis que ela provasse. Ela olhou pro meu relógio e perguntou "Que horas são?", "O relógio está quebrado, uso ele porque... ah, simbólico". "Tá, então que horas você acha que devem ser agora?". Eu não fazia idéia do que ela queria com isso. "Não faço idéia, provavelmente umas cinco." Ela deu uma risada que me incomodou. "Está vendo? É claro que você acredita em outras coisas!" Não consegui entender nada e ela me entendeu e sorriu e começou uma grande conversação em que dizia que era óbvio que, partindo do pressuposto que eu entendia e conhecia as horas, os minutos e os segundos como são, eu acreditava em algo maior: o tempo. 

O tempo estava passando devagar e a noite ia, mansinha, cobrindo o dia. Eu vivia durante o dia... e durante a noite, amava.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Somos um suicídio que nasceu;
do sujo, do morto,
do pó que nasceu;

Um suicídio viciado;
que não pretende segurar demais a vida
Que não aguenta mas espera paciente
pra soltar um último suspiro;

Somos um suicídio que vive
só na espera de um momento
que se dá uma última olhada ao redor
e compartilha depois
seus ossos, sua carne, seu pó.

Somos nós,
suicidas,
viciados,
na espera
por um só momento
que poderemos nos chamar de homens
amantes,
anjos,
seja lá como for,

anti-suicidas.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Art, so itself, came silently
so true, so itself
we loved one another
silently
me and art
loving one another
kissing, sucking,
biting, devouring,
killing,
loving one another.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tudo que sobra, afinal,
não é o amor,
não é paz,
não é remorso,
não é agonia,
não é algum sabor,
não é.

Tudo que sobra, afinal,
é um espaço

vazio

para uma propaganda.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Love, as I can feel it,
isn't about loving someone;
Love is what I give
and love is what I get back.

sábado, 28 de maio de 2011

Era um tremendo sentimento estranho. Não bastasse a aflição na mente, zunindo e arranhando a mente, era a imensa vontade de continuar do mesmo jeito que estive naqueles últimos dias. Procurei quem pudesse me ajudar, quando senão tentar apenas pensar comigo que poderia ser isso. Expliquei, por fim, a uma dessas pessoas, que já sentira aquilo, porém algo parecia estar errado; me cabia a vontade de voltar atrás e fazer diferente.

... Sempre duvidei da necessidade de pôr nome às coisas. Uma flor por acaso deixa de ser uma flor só pelo nome que tem? Comendo tempo e agonizando com meu sentimento que não me largava, finalmente cheguei. Era saudade. Saudade. Um tremendo sentimento estranho.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ela olhou pela janela ao seu lado no carro e viu um caminhão com o slogan "Desentupidoras e cia.". Olhou pra mim, rindo, e disse:
- Sempre tem alguém que faz o trabalho sujo que você e eu não fazemos, né?
Para ela tudo estava certo. E nada disso estava certo.
Não sei bem ao certo o que "passividade" pode significar. 
Tudo que sei é que quero, antes de tudo, um tesão ardente pela vida: as gotas de suor que escorrem em mim são lágrimas que de alegria meu corpo chora.
Ora, vida, é com você mesmo que quero ficar.

Eu estou sempre nascendo.
Nunca me ocupei em morrer.

domingo, 3 de abril de 2011

Oh imagem semelhança de minha vida,
Pêndulo torto e indecidido,
Cavalga cortando ares sem rumo!

Oh pêndulo tortuoso e bandido,
Passeios pelos inferteis caminhos da despedida,
Beija os cabelos bagunçados do nosso fumo!

Goza seus filhos pelo mundo; goza!
Por olhos a plenitude do infinito erro tragado
Inveja um caminho sem ma sina que não o seu!

Arranca bravo tuas raízes desta matriz infecciosa,
brinquedos que to costume juram, juram adeus,
- Difícil é não divinizar o errado!

sábado, 5 de março de 2011

Poema de Separação: Bento e Capitolina.

Foi e não volta mais,
já que foi longe uma vida que só sabe ir para trás.

Foi nossa incompatibilidade hipocondríaca,
foram duas mãos que se procuram aflitas

Foi  num muro mal escrito,
testemunho da existência absurda do finito

(foram os dias que duraram demais
foram os cabelos que estavam lisos demais
foi nosso amigo que nos amava demais


foi um verso incompleto
cuja tinta
não marcou o papel


foram os trágicos dedos que nos moldou
tristes demais.)

Foi como tudo,
meu nariz grande demais
e sua boca que sempre
            se distrai.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Eu não sei deixar de adorar Vinicius de Moraes (como se algum dia fosse querer)

Eu, sinceramente, não sei como deixar de adorar Vincius de Moraes. Eu adoro toda essa aproximação que ele promove em suas músicas e todos seus textos, deixando revelar, por trás de um escritor ímpar, um homem completamente apaixonado pela vida. Eu adoro a sinceridade com que ele escreve por e para amor, sem chegar perto do clichê. E eu adoro toda sua pluralidade de homem não-idealizado, que sofreu, teve angústias, ciúmes, raiva... Mas sobretudo, que deixou ao nosso legado cultural uma vastidão de sentimentos e sensações universais perpetuadas por palavras... e carimbadas pelo meu querido Poetinha.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Brasil é país pra brasileirinho
É país de colo de Iemanjá
Colo materno brasileirinho
(Minha mãe é filha de um sabiá cearense;
E eu que sou filho da tinta de um Rosa menino?)

Brasil é país pra brasileirinho
De gente que pra existir
basta café e água morna da bica
De gente que em cada olheira guarda
Olhar assim todo brasileiro
Um sorriso tão largo que machuca os óios.

Brasil é país pra brasileirinho
Pra dono de bar que declara meios amores
e aumenta o preço da cerveja
Pra meio intelectuais meio de esquerda
sentarmos juntos em uma festa
de espuma e cadeiras de plástico vermelho

Brasil é país pra brasileirinho
Pra moleque nascer malandro
mas com coração de um bom nêgo
Ô moleque que só ama colo de mãe!
É moleque brasileirinho:
Filho de Chico Buarque canivete.

Brasil é país pra brasileirinho
Ora salve Iracema!
salve o sorriso de Irene!
Salve Maria Bethânia!
Salve as mulheres brasileiras que guardam
em conjunto todas as belezas do país!

Brasil é país pra brasileirinho
E é também pai carinho pra
onda que virou marolinha,
É pai carinho que abraça
em todas praias as palmeiras
sombra minha e do Brasil!

Brasil é país pra brasileirinho
Pra gente pequena, tão miúda,
A menor das menores, os sete pecados -
O maior coração do mundo
É brasileiro.
( Ai, poetinha, que delícia! Que delícia foi te ver em todo seu misticismo de poeta, em seus olhos verdes de éter, ai que delícia! ...Poetinha maravilha! Que delícia a chuva e a morena agora do vestido transparente! Não me recordo de fotografia tão bela na memória como esta: as mulheres sorriem Vinicius de Moraes! Poetinha, que maravilha! Saravá, meu grande poeta! Já pensou que delícia se candomblé fosse só poesia? E já pensou num nêgo suado gingando versos Vinicius de Moraes? Ô meu poeta, que delícia... mas não exagera: gosto de to chamar de meu poeta: Te sinto tão eu. É por isso que de poeta se faz poetinha - te tenho tão pertinho... Ô poetinha, que triste seria se um pouco de tinta que corre nas veias dos poetas do querido Brasil não fosse um pouco do whiskey de Vinicius de Moraes... Mas, ai!, que delícia, poetinha! Ah... poetinha... Que maravilha de poeta! E dá pra falar que Copacabana e as meninas de Ipanema seriam as mesmas? Não, não sem a musicalidade nas ondas por onde Vinicius passou... O Brasil todo te quer, poetinha! Meu poetinha, que delícia! Ahh, mas meu poeta, não vá... E a rua Nascimento Silva? E a Elizeth? Que triste seria... Mas que delícia: Vinicius está por perto... e que delícia foi te ver, meu poeta... )

pela saudades de Marcus Vinicius de Melo Moraes
;