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segunda-feira, 28 de maio de 2012

Quero um cigarro.
Quero vários cigarros.

Oh, for God sake, um cigarro.

Um cigarro e arte
prá anestesiar

esse calor.


Boa sorte
e me traz mais um cigarro.


O mundo, por si,
não existe 
movido à razão

Então me vê mais um cigarro.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Não faço isso como uma afronta a ninguém, mas confesso que gosto de, por pura estética simbólica, deixar a Bíblia Sagrada entre O Anticristo, de Friedrich Nietzsche, e alguns livros de Ciências Biológicas.

Não tenho partido. Quem sabe o faço para apenas poder me lembrar que os tenho sob meu conhecimento e que a fé não necessariamente está dissociada da razão.

Não sou, também, ateia. Mas não faço ideia do que, em palavras, seja essa tal crença que me move. No entanto não tenho dúvidas de que está bem longe da fé cristã que moveu o espírito Cruzadista e as missões civilizatórias ao Novo Mundo.

Mas tenho em mim a certeza de que já muito mais metafísica do que nos fazem acreditar. O mundo contemporâneo, regado de ciência e pesquisas de precisão convidativa, nos faz afastar do conhecimento do além do material. E é nisso que eu não acredito: que a ciência seja a suma verdade.

Não regro minha existência ao tenho de acessível e palpável. Somos humanos. Assim como outros, somos seres complexos e dotados do que nos difere do mundo inorgânico: Vida.

Assim, eis minha retórica: o que, enfim, há de mais divino do que a Vida?

O que faço do divino me leva apenas a algo que eu, por opção, procuro não definir, mas apenas uso como instrumento que, em definitivo, molda meu caráter. O divino enfim me torna humana. Porque é nisso que acredito: que precisamos ser salvos, mas não por um sopro que vem dos Céus. Precisamos ser salvos por nós mesmos, a todo instante, porque somos movidos pela nossa vontade de viver em conjunto, de estarmos bem com os outros ao nosso redor. Pela certeza que a felicidade só é real quando compartilhada.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Acordei.
Acordei e vi em mim a obra a remate da Natureza
Que me queria uma máquina.
E assim de máquina eu me fiz.

Fim da união singela dos pares opostos e necessários,
Filho das mãos da Evolução
É o que sou.
Rascunhado no meu íntimo
Codificado com tanta destreza:
Desafiei Gribbs.
Eu sou a ordem que se impõe ao caos.

A coordenação perfeita dos membros,
A harmonia exata entre minha pele e os céus!
O círculo tão preciso de DaVinci,
Eu sou enfim a delicadeza do exíguo, que me fez frágil
porém completo.

Mas pelo tanto de energia invariável
que me circula
e que me fez um Homem,
pago o preço do divino:
Aprisiono em mim, amarrado em cordas justas,
um único motor vivo
A que chamei de coração.

Sem ele sou máquina,
Por ele, sou Humano.

sábado, 31 de março de 2012

Nada Fora do Normal

“Limiotara”. A palavra estava grafada no papel amarelado, seguida de alguns termos médico-científicos e carimbada pelo psiquiatra o qual consultava há anos. A partir daquele momento, sua vida, que tanto insistira em pontuar como “normal”, seria tratada como uma nova patologia.
“Sou um rato de laboratório”, pensou Henrik, enquanto saia do consultório e tomava o caminho para sua casa. Talvez não estivesse totalmente errado.
O que se seguia é que Henrik tinha alguma fixação fora do normal por transpor limites, o que seus parentes não tardaram a perceber quando, pela primeira vez quando criança, inventou um jeito criativo de se agarrar ao ventilador de teto enquanto este estava em funcionamento. Mais tarde, com sua primeira namorada, quis provar o quanto a amava atravessando a cidade apenas de cueca, em um inverno russo, só para vê-la. E o escândalo mais recente, e também mais preocupante, ocorreu quando, já mais velho e com seu conceito de limites já amadurecido, apostou sua sogra em um jogo de poker.
No entanto, o que tanto interessava aos médicos era o fato de que Henrik era psicologicamente muito seguro e possuia um otimismo que o impedia de ver os verdadeiros perigos em que se colocava. Os médicos queriam saber que parte de seu cérebro funcionava de forma anormal, para, quem sabe, desenvolver mais um remédio contra a depressão. Para isso, teria de se submeter a diversos experimentos contra sua vontade, em que teria que enfrentar altos riscos, enquanto os médicos analisavam seu cérebro em um computador.
Henrik sabia de tudo isso. E tudo o que mais queria era poder voltar a se chamar de normal. Pela primeira vez em sua vida, sentia medo. Mal conseguiu atravessar a rua: os carros buzinaram enquanto ele passava. Talvez se ninguém tivesse colocado no papel... não conheceria a malícia. Não conheceria os verdadeiros interesses por trás daqueles óculos dos médicos. Não sentiria como a aldeia global realmente o quer - dentro de um laboratório, servindo-a. Talvez enfim não teria conhecido a realidade. Era um homem agora feito das unhas de Platão.
Mas quem sabe a vida tenha seu próprio jeito de se curar. Henrik teve um surto em que sentiu sua vida voltar aos eixos. Olhou tudo ao seu redor e sabia que nada estava tão mal. Finalmente chegou em casa e cumpriu o que julgava ser o correto a fazer. Entrou na garagem. Seu carro parecia que estivera sempre lá a serviço de suas vontades, mas hoje ele o via como um verdadeiro amigo. Não teve dúvidas. Entrou no carro.


Não havia nada fora normal para Henrik. Meia hora mais tarde, chegava uma ambulância na esquina de sua rua para tirá-lo do carro, brutalmente amassado contra um muro. Henrik estava morto e não havia nada fora do normal.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Fechou o livro. Percorreu uma última vez as singelas palavras que marcavam a contra-capa e soltou a respiração por um breve momento. Guardou seu marca-páginas na gaveta embaixo da mesa. Aquele gesto significava que mais um percurso, se não acabava, tinha seu caminho já desenhado para o fim. Estava pronta. Depois de meses preenchidos com dias devagar, horas pesadas e minutos arrastados, tinha em si que estava pronta. Levantou-se da cadeira , apoiando os dedos do pé no chão e se espreguiçou demoradamente, na tentativa de expulsar a tensão que aprisionava seu corpo. Olhou mais uma vez para a pilha de livros que, numa inércia contente, repousavam sobre sua mesa. Tinham sido enfim boas companhias, os livros; mas não era de todo o mal vê-los todos lidos: suas vidas úteis terminavam agora. Colocou a bolsa desbotada no ombro e seguiu em direção ao corredor.

Porém antes mesmo de começar a descer as escadas, percebeu a agitação que vinha da cozinha. A irmã alertava ao pai que tinha urgência de estudar para uma prova. Passou pela porta e olhou para ambos. "Estou de saída." Ao que o pai mordeu os lábios e arregalou os olhos, como se subitamente tivesse lembrado de algo que flechou sua memória. O estado de saúde de seu pai não era dos melhores e há pouco tempo atrás, começaram a investigar o que era aquela doença que o fazia ter ataques repentinos de tosse. "Não vai dar", sussurrou com tristeza, "minha consulta é agora. Você terá de ficar com sua irmã".

Sua irmã era um tipo ímpar; desde muito pequena, sofria de ataques de pânico quando ficava sozinha: tinha alucinações com assassinatos e grandes sequestros, o que os pais consideravam como muito grave, apesar de nunca terem tentado buscar uma solução em algum método terapêutico. O que faziam era nunca deixá-la sozinha, com a certeza de que o não-enfrentamento da situação poderia resultar em seu esquecimento. Ilusão.

Olhou para a irmã que estava perturbada. Ela sabia que a situação acabara de gerar um desconforto geral: a irmã mais velha tinha uma prova de admissão, para qual havia estudado tortuosos meses, e o pai havia marcado sem más intenções uma consulta emergencial no mesmo horário. De repente se sentiu encurralada e uma breve emoção esquentou a parte de trás de seus olhos. Abriu a boca querendo falar, mas o pai perguntou antes "Você vai ficar, não?". Era um absurdo russo a situação em que se encontrava e de repente sentiu seu mundo se apequenar e uma breve raiva se apoderou de sua mão direita, que empurrou a porta contra a parede, causando um barulho tremendo. O gato do vizinho berromiou. "NÃO POSSO! Eu..." sua voz tremeu e a boca tinha uma temperatura quente. A garganta implorava pra que a soltassem. O pai engoliu o berro da filha, "Não tenho culpa. Você fica". Era um pai negligente partidário. E ela sabia que o partido dele com certeza não era o dela. "É CLARO que é sua! Você sabia!" virou-se para a irmã, "E por que você não cresce LOGO?". Assustaram-se. Em verdade, ela também se assustou e recuou um passo para trás. Sabia o que estava por vir. O pai direcionou-se a ela, parando em sua frente. Tirou o chinelo dos pés.

Subiu em direção ao seu quarto com passos tão pesados que toda a escada parecia se deformar diante de seus olhos. Estava completamente atordoada. Sua bochecha esquerda ardia e tinha um pouco de terra. Passou a mão em seu rosto e soltou um pequeno chiado, como quisesse ela mesma tentar se acalmar. "Mais uma vez". Duas lágrimas sincronizadas largaram seus olhos, carregando um pouco da sujeira que tinha em seu rosto. Não queria, mas já estava aos prantos. O queixo tremia. Os braços se entrelaçaram, como se precisasse de seu próprio abraço amigo. Não conseguia respirar. Soluçou e chiou. "Calma, calma". A verdade é que aquela situação, em adversos contextos, parecia não deixar de se repetir. Que calma que é cura para um male de compaixão? Acalmou-se. Olhou para o relógio em cima da pilha dos livros. Dizem que tanto o riso quanto o sofrimento começam pela quebra de uma expectativa tensa e são a última tentativa do corpo de alívio emocional. Mas de que havia de rir, se a cada tiquetaquear do relógio, sua expectativa se dobrava num desespero tão pouco gracioso?


E dos males humanos, não há mal mais belo que os próprios laços humanos, ainda que seja deles o mais triste. Que o mal do laço não é quando se estreita, quando está bem firme e numa perfeita harmonia, mas sim quando se solta e o perde sua função: quando tudo que mais se quer é que, afinal, desamarremo-nos e  percamo-nos a sós no Universo de nosso íntimo.

quarta-feira, 21 de março de 2012

meninas de cabelos selvagens, por que insistem tanto em fazê-los parecerem fios de milho? Melhor seriam se fossem fios-de-ovos. Que, parasitas, invadem meu coração.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Conto da Descoberta do Homem

A chama do isqueiro deu mais expressão aos nossos rostos imersos naquele lugar à meia-luz.

Acendi o cigarro amassado que repousava em minha boca, tragando tão profundamente a fumaça que, quando a soltei, envolveu as duas mulheres do outro lado da mesa, que conversavam incessavelmente. Eram belas talvez demais para este velho gato.

Aquela da esquerda, Anna Paula, ergueu sua caneca pesada e tomou um gole do restante de cerveja que ainda havia lá, provavelmente quente e sem gás. Imaginei o gosto que aquilo produzia e tive vontade de conhecê-lo naquela boca cigana. Anna era, sem dúvida, a mais atraente dentre as duas. Traguei mais uma vez meu cigarro. Toda minha atenção sexual se voltava à ela. Reparei em suas sobrancelhas negras esticadas no rosto, que a conferiam um olhar furtivo e sedutor; não tive dúvidas de sua descendência latino-espanhola; Percorri meus olhos em seus cabelos desfiados, que escorriam bagunçados em seus ombros, numa demonstração de sua selvageria. Sua boca era perfeitamente desenhada e avolumada; os lábios estavam molhados da cerveja e contornavam seus dentes grandes e brancos. 

(Mas que a beleza infindável daquele corpo me perdoe, o que nela me despertava tanta atenção eram as saboneteiras que repousavam em seus ombros. Só os poetas entenderão os profundos desejos que despertam em um homem duas saboneteiras bem-feitas.)

Embora desejasse percorrer cada centímetro de Anna Paula, a verdade é que, de alguma forma que eu não compreendia, me sentia completamente devoto à Camila. Ela escutava com atenção sua amiga falar alto, despejando sensualidade sobre sua meiguice. E mesmo que a conversa não a deixasse totalmente a vontade, tinha um sorriso quase preso no rosto e olhos atenciosos. Quem sabe fossem os olhos. Ela também, de tempo em tempo, me dirigia um olhar carinhoso que eu sentia dizer que me queria muito bem. Era descendente de irlandeses e talvez por isso tinha as bochechas rosadas. Ou talvez tivesse bebido demais. Mas eu recusava pensar naquela mulher tragando qualquer diabo. Se nela houvesse guardado algum escárnio ou maldizer, tenho certeza de que estes voltariam em formas puras como versos de uma amiga trovadora e devota. Tudo que eu pensava é que tinha em Camila uma mulher inalcançável que esbanjava tesouros; com seu jeito nórdico mas acolhedor: olhos que, com sua imensa ternura, me guardavam uma armadilha. Era impossível ficado ao lado dela sem se sentir fisgado. Não tive dúvida de que eram os olhos...



E quem diria, um gato velho e perdido como eu, tinha defronte a mim a imagem de uma mulher completa e endeusada. Anna Paula e Camila me lançavam olhares e eu compreendia. Compreendia que a beleza nunca é totalmente absorvida se ela não for observada com seu direto oposto. E em minha frente, eu via a ternura e o sexo. A complementariedade das duas me fizeram enxergar o que havia de mais complexo no meu ser Homem. Estava completamente absorto e, com impressão de que jamais teria uma ventura como essa, devorei o momento, na procura de saciar a descoberta de meu falo e meu coração.

90 anos de Kerouac

2008 foi o ano em que eu, pela primeira vez, entrei em contato com a Geração Beat e Jack Kerouac se tornou meu guia pelo mundo maravilhoso da contra-cultura.

No entanto, quando eu peguei On the Road nas mãos, na única versão disponível pela LP&PM Pocket, não imaginava o quanto eu mudaria depois de lê-lo. Percorri os poemas de Ginsberg, contos de Bukowski, mas nada me atraiu tanto quanto a prosa de Kerouac e suas personagens. É bem verdade que a estrada, afinal de contas, não salva ninguém. O epicurismo não é a chave para a completa libertação. Jack Kerouac sabe bem. Mas não se trata disso. Depois de ler e reler On the Road tantas e tantas vezes, eu finalmente adotei Dean Moriarty como um de meus guias espirituais. Aquelas páginas guardadas no meu velho livrinho amarelo me ensinaram, como ninguém poderia ter feito, a diminuir meus preconceitos e admirar de forma mais humilde as pessoas que me cercam. Tentei de alguma forma olhar pelos olhos de Dean, me perguntando diariamente: "O que Sal e ele fariam?"; E afinal, meu engrandecimento foi tamanho que creio que não há mais volta.

O nome dos grandes homens não morrem com seus corpos: ressoam por uma eternidade, deixando um sopro de vida que engrandece-nos com suas obras.

Meus parabéns, Jack, onde quer que você esteja.

"E eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo. Agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo, como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso."



segunda-feira, 5 de março de 2012

E enterrou-se em um desespero silencioso. Incapaz de sucumbir, apenas escutava. E repetia, em sua mente, cada palavra, com a entonação apropriada, morrendo a cada instante e imensamente.

Levantou a cabeça e desejou chorar. Mas por seus olhos parecia apenas passar um vento cortante, que levaria suas lágrimas embora e não permitiria gozar de uma dor líquida e errante.

A dor parecia ter se instalado como um vírus persistente, que não tarda em se reproduzir e causar mais febre.

Morria. E que dor imensa de morrer tão imensamente que se continua vivendo.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tanque de Foguete

E quem diria
que realmente viria
Abrupto este dia

Dona Maria chegou junto
na janela e
Benzadeus!
Que troço é esse
que não tem cara de bicho
nem tem cara de homem
e também não dá pra servir
no almoço das criança?

Seu Zé foi armado
e seu batalhão ao seu lado,
O cachorro e o menino do machado.

E na terra onde nem mosca se move
Quem sabe a terra toda foi movida
Por um terremoto?
Um grupo de gado
Que quem sabe estava perdido?
"Quem sabe".

Mas foi o João da Vila que viu
O mistério de metal
Abraçado à terra,
Como se tivesse vindo uma bomba
que inicia uma guerra
Que vem lá do céu!

E Rosana que não tarda
E arde sempre uma boa fofoca
Chamou os Homens
e eles vieram:
Empacotados em seus ternos,
Vieram.

- Deixa disso, Rosana!
É coisa de É-TÊ,
Tem que jogá bem longe da Terra,
Chama os homi não.

- Deixa disso, ô João!
Vem os homi pra cá
Faz o que tem que fazer
E a gente aparece na tevê!

E o mistério navega sem dificuldades
Pela aridez do sertão,
Despertando qualquer intriga
Pelas terras de seu João

Mal sabia o homem,
Que guerra com E.T. não era,
mas sim um pedaço
do que aproximara o Homem
Um pouco mais do céu.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

(Ainda que meu amor e minha capacidade de compaixão tivessem limites e eu não os pudesse oferecer à todo ser que me cativa, eu o devotaria, completo e sem limites, exclusivamente a você)
E a menina
que insiste e diz
que ama tanto a natureza

Bastou pousar a Borboleta
em sua cabeleira

Que saltou urrando:
"Afasta de mim
essa absurda
estranheza!"

Quero te dar

Quero te dar o momento em que você nasceu em mim como uma guerra
e eu, fraco e sem munição, fui vencido sem esforço por você;
E quero te dar o momento seguinte em que, sem forças nem ao menos para erguer
a bandeira da derrota, te deixei me invadir,
e assim me cedendo, você nasceu em mim com a suave e tranquila
paz em mim mesmo...

sábado, 7 de janeiro de 2012

Sobre a mentira.

Tudo começou com uma grande mentira. E quem diria: a mentira, quando bem dita, quando um tanto quanto repetida, quando bem temperada e reforçada a cada dia, com o esforço e a hipocrisia de quem não quer - mas que inconscientemente deseja que sua mentira se perpetue -
se torna então uma verdade, que aos poucos se incorpora, se assimila seu conteúdo, como se fosse seu e como se sempre tivesse sido real.

A mentira, então, naturalmente se porta como uma novidade, igual àquela que originou a mentira, tornando o que não era possível de ser racionalmente vivido, em algo confortavelmente tragável.

No entanto, a mentira estrangula seu criador, aos poucos, por não ter sido criada como uma filha natural, mas como a adotada.
A mentira, assim, reaparece, hora ou outra, de cara nova, acompanhada da dor de uma descoberta frustrante, que obriga que a realidade seja tão triste; enquanto obriga que a mentira, arquitetonicamente planejada por uma vontade tão verdadeira, seja, afinal, tão bela.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A paixão, como o desejo, são estritamente egoístas. Como se houvesse uma barreira entre você, persona, e o objeto, que devesse ser abrupta e imediatamente destruída. É a vontade da posse incessante, sem razão alguma, apenas guiada pela própria existência dessa vontade. A paixão é como um ser novo que brota n'alma da gente, que está louco por devorar e se multiplicar; como um selvagem, um bruto.
O amor, porém, é o sentimento divino. É todo classe e requintamento: o amor surge com a paz e a razão, e não pretende se apossar do objeto amado. Muito pelo contrário, o amor é o nível em que se alcança a liberdade suprema, em benefício próprio e de outrem. O amor não pretende se não cuidar, adorar e admirar.

O mais perfeito da Natureza é que ela, apesar de nos ter feito bichos, plantou para germinar, em cada homem, a semente do amor, que nos separa do nível da bestialidade e nos aproxima um pouco mais dos deuses.