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segunda-feira, 12 de março de 2012

Conto da Descoberta do Homem

A chama do isqueiro deu mais expressão aos nossos rostos imersos naquele lugar à meia-luz.

Acendi o cigarro amassado que repousava em minha boca, tragando tão profundamente a fumaça que, quando a soltei, envolveu as duas mulheres do outro lado da mesa, que conversavam incessavelmente. Eram belas talvez demais para este velho gato.

Aquela da esquerda, Anna Paula, ergueu sua caneca pesada e tomou um gole do restante de cerveja que ainda havia lá, provavelmente quente e sem gás. Imaginei o gosto que aquilo produzia e tive vontade de conhecê-lo naquela boca cigana. Anna era, sem dúvida, a mais atraente dentre as duas. Traguei mais uma vez meu cigarro. Toda minha atenção sexual se voltava à ela. Reparei em suas sobrancelhas negras esticadas no rosto, que a conferiam um olhar furtivo e sedutor; não tive dúvidas de sua descendência latino-espanhola; Percorri meus olhos em seus cabelos desfiados, que escorriam bagunçados em seus ombros, numa demonstração de sua selvageria. Sua boca era perfeitamente desenhada e avolumada; os lábios estavam molhados da cerveja e contornavam seus dentes grandes e brancos. 

(Mas que a beleza infindável daquele corpo me perdoe, o que nela me despertava tanta atenção eram as saboneteiras que repousavam em seus ombros. Só os poetas entenderão os profundos desejos que despertam em um homem duas saboneteiras bem-feitas.)

Embora desejasse percorrer cada centímetro de Anna Paula, a verdade é que, de alguma forma que eu não compreendia, me sentia completamente devoto à Camila. Ela escutava com atenção sua amiga falar alto, despejando sensualidade sobre sua meiguice. E mesmo que a conversa não a deixasse totalmente a vontade, tinha um sorriso quase preso no rosto e olhos atenciosos. Quem sabe fossem os olhos. Ela também, de tempo em tempo, me dirigia um olhar carinhoso que eu sentia dizer que me queria muito bem. Era descendente de irlandeses e talvez por isso tinha as bochechas rosadas. Ou talvez tivesse bebido demais. Mas eu recusava pensar naquela mulher tragando qualquer diabo. Se nela houvesse guardado algum escárnio ou maldizer, tenho certeza de que estes voltariam em formas puras como versos de uma amiga trovadora e devota. Tudo que eu pensava é que tinha em Camila uma mulher inalcançável que esbanjava tesouros; com seu jeito nórdico mas acolhedor: olhos que, com sua imensa ternura, me guardavam uma armadilha. Era impossível ficado ao lado dela sem se sentir fisgado. Não tive dúvida de que eram os olhos...



E quem diria, um gato velho e perdido como eu, tinha defronte a mim a imagem de uma mulher completa e endeusada. Anna Paula e Camila me lançavam olhares e eu compreendia. Compreendia que a beleza nunca é totalmente absorvida se ela não for observada com seu direto oposto. E em minha frente, eu via a ternura e o sexo. A complementariedade das duas me fizeram enxergar o que havia de mais complexo no meu ser Homem. Estava completamente absorto e, com impressão de que jamais teria uma ventura como essa, devorei o momento, na procura de saciar a descoberta de meu falo e meu coração.

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