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sábado, 31 de março de 2012

Nada Fora do Normal

“Limiotara”. A palavra estava grafada no papel amarelado, seguida de alguns termos médico-científicos e carimbada pelo psiquiatra o qual consultava há anos. A partir daquele momento, sua vida, que tanto insistira em pontuar como “normal”, seria tratada como uma nova patologia.
“Sou um rato de laboratório”, pensou Henrik, enquanto saia do consultório e tomava o caminho para sua casa. Talvez não estivesse totalmente errado.
O que se seguia é que Henrik tinha alguma fixação fora do normal por transpor limites, o que seus parentes não tardaram a perceber quando, pela primeira vez quando criança, inventou um jeito criativo de se agarrar ao ventilador de teto enquanto este estava em funcionamento. Mais tarde, com sua primeira namorada, quis provar o quanto a amava atravessando a cidade apenas de cueca, em um inverno russo, só para vê-la. E o escândalo mais recente, e também mais preocupante, ocorreu quando, já mais velho e com seu conceito de limites já amadurecido, apostou sua sogra em um jogo de poker.
No entanto, o que tanto interessava aos médicos era o fato de que Henrik era psicologicamente muito seguro e possuia um otimismo que o impedia de ver os verdadeiros perigos em que se colocava. Os médicos queriam saber que parte de seu cérebro funcionava de forma anormal, para, quem sabe, desenvolver mais um remédio contra a depressão. Para isso, teria de se submeter a diversos experimentos contra sua vontade, em que teria que enfrentar altos riscos, enquanto os médicos analisavam seu cérebro em um computador.
Henrik sabia de tudo isso. E tudo o que mais queria era poder voltar a se chamar de normal. Pela primeira vez em sua vida, sentia medo. Mal conseguiu atravessar a rua: os carros buzinaram enquanto ele passava. Talvez se ninguém tivesse colocado no papel... não conheceria a malícia. Não conheceria os verdadeiros interesses por trás daqueles óculos dos médicos. Não sentiria como a aldeia global realmente o quer - dentro de um laboratório, servindo-a. Talvez enfim não teria conhecido a realidade. Era um homem agora feito das unhas de Platão.
Mas quem sabe a vida tenha seu próprio jeito de se curar. Henrik teve um surto em que sentiu sua vida voltar aos eixos. Olhou tudo ao seu redor e sabia que nada estava tão mal. Finalmente chegou em casa e cumpriu o que julgava ser o correto a fazer. Entrou na garagem. Seu carro parecia que estivera sempre lá a serviço de suas vontades, mas hoje ele o via como um verdadeiro amigo. Não teve dúvidas. Entrou no carro.


Não havia nada fora normal para Henrik. Meia hora mais tarde, chegava uma ambulância na esquina de sua rua para tirá-lo do carro, brutalmente amassado contra um muro. Henrik estava morto e não havia nada fora do normal.

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